terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Não sei lidar

Era só uma brincadeira, não era? A gente ficar. Juntos. Digo, sermos qualquer coisa no plural. Mais que abraços demoradamente constrangedores de até amanhã e beijos no rosto com os olhos querendo se fechar. Eu vi você sorrindo e sacolejando em frente ao palco, se fazendo de apaixonada pelo baixista, aquele jeito mentecapto de se mostrar. Enquanto eu, lá atrás, me sentia como um baterista de uma banda de bosta, aquele que ninguém dá bola, sem solicitações de autógrafo, nenhum registro de fã-clube em seu nome. Acha que não sei, só queria ouvir "Hold Me Tight" no melhor lugar pra lembrar você e eu.

Você não sabe, mas vi o sorriso. Só estava ali, animada e nada crível, porque sabia que eu te olhava com uma mão no bolso e a outra num copo trêmulo. Não era aquele mesmo. O meu, aquele secreto que ganho em despedidas, antes de irritantes convites para o almoço um dia desses. Não quero almoçar contigo. Quero sair pela noite, me equilibrar nos meios-fios, cruzar becos escuros a caminho dos barcos na marina. Navegar do teu lado, me jogar fundo se acaso você realmente cair no mar, do jeito que acontece naquele seu velho pesadelo que me contou lacrimejando. Você se molha, eu me molho.

Você me seca, eu te seco. A gente fica se curtindo de longe, como quem nada quer. Rebate meus olhares como uma insignificante bola de beisebol. Sua fantasia boba de garota, o salto nos pés cuidados, a pimenta tatuada no umbigo de fora, a pinta no queixo, os peitos, os cabelos, de saia mini e as risadas barulhentas e rumorosas no meio do exercitozinho "sex-and-the-city" com suas maquiagens blasé. Burburinhos que se reduzem quando a ceninha me causa engulhos e você fica sem um expectador idiota ao seu redor pra impressionar. Coitada, ela se engana melhor do que ninguém - e ainda diz que tem receio de sofrer. Um dia a gente toma jeito, se beija, e descobre o cheiro do rosto, a força do hálito e o tom dos nossos olhos, assim bem de perto.

Isso eu já planejei mil vezes e estou esperando o momento certo, assustadoramente perdido no caminho errado. Você é como o ônibus que peguei por engano na semana passada e fui parar na zona da amizade. Essas sensações tolas que você me traz mentem minha idade. Já passei pela etapa de ter esses fricotes pra encostar numa garota. É só uma garota, dizia meu pai, lembra? Não é. É você. Só parece a mesma coisa. Nem toda tem aquele ar de menina erradinha que carrega pedras na bolsa e a cara de tesão o tempo todo, que na realidade o motivo é precisar respirar pela boca. Você me explicou, sinusite crônica.

Tenho medo que a forma como aprendi a lidar com elas soe pra você como um reles interesse cafajeste. Pra quem só tem um show e uma chance, pensar nisso é desesperador. Faz minha boca imitar aquele tempo que eu brigava na escola. Você e seu bando já sabem, estou a fim de você. Eu sei também, você gosta de mim. Ah, aquelas suas amigas boquirrotas. O pub, o baixista, aquele rapazola lá perto da janela dançando estranho, o barista esfregando o copo com movimentos circulares. Todo mundo já sabe e essa pressão tira um pouco o romantismo da coisa.

Se já está tudo tão bom como está, então imagina um pouco mais. Aí recordo do vexame que passei na última festa. Quando resolvi por livre espontânea vontade de vomitar que iria falar contigo. E você lá no crepúsculo, com um inseto chamado "Nélson" grudado nos lábios. Mas só sei dizer te negar com a cabeça. O pescoço é minha Linha do Equador.

Sei que se me puxar pra dançar, vai fazer calor em mim, o vento pode virar e é capaz de chover. Sei também que darei um jeito de ter uma das minhas crises de vinte e cinco espirros consecutivos. Porque, você sabe, sou patético e não sei lidar. Mas não adianta, festa começa, festa termina, você sempre dá um jeito de partir sem mim e o meu coração em dois. E sozinho, mais uma vez, eu vou pra casa te amando em dobro.