sábado, 26 de maio de 2012

Amigos invisíveis


Os amigos não precisam estar ao lado para justificar a lealdade. Mandar relatórios do que estão fazendo para mostrar preocupação.
Os amigos são para toda vida, ainda que não estejam conosco a vida inteira.
Temos o costume de confundir amizade com onipresença, e exigimos que as pessoas estejam sempre por perto, de plantão.
Amizade não é dependência, submissão. Não se tem amigos para concordar na íntegra, mas para revisar os rascunhos e duvidar da letra. É independência, é respeito, é pedir uma opinião que não seja igual, uma experiência diferente.
Se o amigo desaparece por semanas, imediatamente se conclui que ele ficou chateado por alguma coisa. Diante de ausências mais longas e severas, cobramos telefonemas e visitas. E já se está falando mal dele por falta de notícias. Logo dele que nunca fez nada de errado!
O que é mais importante: a proximidade física ou a afetiva? A proximidade física nem sempre é afetiva. Amigo pode ser um álibi ou cúmplice ou um bajulador ou um oportunista, ambicionando interesses que não o da simples troca e convívio.
Amigo mesmo demora a ser descoberto. É a permanência de seus conselhos e apoio que dirão de sua perenidade.
Amigo mesmo modifica a nossa história, chega a nos combater pela verdade e discernimento, supera condicionamentos e conluios. São capazes de brigar com a gente pelo nosso bem estar.
Assim como há os amigos imaginários da infância, há os amigos invisíveis na maturidade. Aqueles que não estão perto podem estar dentro. Tenho amigos que nunca mais vi, que nunca mais recebi novidades e os valorizo com o frescor de um encontro recente. Não vou mentir a eles, “vamos nos ligar?”, num esbarrão de rua. Muito menos dar desculpas esfarrapadas ao distanciamento.
Eles me ajudaram e não necessitam atualizar o cadastro para que sejam lembrados. Ou passar em casa todo final de semana ou me convidar para ser padrinho de casamento, dos filhos, dos netos, dos bisnetos. Caso os encontre, haverá a empatia da primeira vez, a empatia da última vez, a empatia incessante de identificação. 
Amigos me salvaram da fossa, amigos me salvaram das drogas, amigos me salvaram da inveja, amigos me salvaram da precipitação, amigos me salvaram das brigas, amigos me salvaram de mim.
Os amigos são próprios de fases: da rua, do Ensino Fundamental, do Ensino Médio, da faculdade, do futebol, da poesia, do emprego, da dança, dos cursos de inglês, da capoeira, da academia. Significativos em cada etapa de formação. Não estão na nossa frente diariamente, mas estão em nossa personalidade, determinado, de forma perceptível, as nossas atitudes.
Quantas juras foram feitas em bares a amigos bêbados e trôpegos?

Amigo é o que fica depois da ressaca. É glicose no sangue. A serenidade. 

Conversa de homem

"Quero ver se é homem", "diz que é homem", "se não fizer isso, não é homem", "tá parecendo um boiola". 


Desde fedelho, o homem perde décadas de sua vida comprovando sua masculinidade. Com os amigos da escola, dentro de casa, na rua com as meninas, na fase adulta com as mulheres e os amigos do trago. 


Ele é testado todo momento. Na balada ou no churrasco. Na rua ou no estádio. Ser homem não é natural, é um condicionamento. Um exame infindável de testosterona intelectual. Uma provação incessante, que se inicia nas brigas infantis e não termina com a morte. 


Quem já não teve uma mulher em sua história que gritou: "Você não é homem!"? Só para irmos lá e arrancarmos um beijo na boca. Não é triste ser submetido a um concurso público da própria condição? 


Observe uma roda de amigos num bar. Haverá provocações de quem é mais macho no grupo. Piadas involuntárias, sempre colocando em dúvida a conduta sexual. Colegas se ofendem como uma forma de amizade. 


É uma armadilha. Como o homem pode exercitar sua sensibilidade, obrigado a reiterar seu sexo eternamente? Ele passa maior parte de seus dias se defendendo. Confunde camaradagem com redundância. O que o transforma num IDIOTA, pois se repete e repete sem parar as insinuações coletivas. Como é possível manter as mesmas refregas do jardim de infância à universidade? O homem não ousa, não investe, não contraria o perfil pré-estabelecido para descobrir o que gosta e contar como gosta. 


Dói ser homem, é cansativo ser homem. Sim, os homens têm facilidades: mijar de pé. Falei facilidades, retiro, o homem tem uma facilidade: mijar de pé. Ele é adestrado para ser influenciável e sofrer com as comparações. Será comparado ao pai, aos colegas, aos ex-namorados, aos sogros, aos filhos, aos ex-maridos, e, ultimamente, aos cachorros. 


Ele não se regra pela intuição, ele se situa pelos outros. Batendo nos ombros, nas costas, exercendo os cumprimentos aos empurrões, ameaçando com indiretas e fiscalizando quem demonstra sair da linha. Homem vive denunciando seus iguais para não revelar seus segredos. Homem é delator. Homem nunca está em si de tanto que espia e controla seus vizinhos. 


Na escola, as conversas apenas giravam em peitos, bundas e buceta. JURO. Eu nem tinha condições de comentar alguma coisa. Minha experiência era quase nula. Avaliando bem, era nula. Das páginas médicas da Barsa. Mas era formado a tratar a trinca erótica com vulgaridade. Caso não soltasse um palavrão, não seria aceito. 


Ser aceito e se aceitar são coisas bem diferentes. Na infância, meus amigos ou se reuniam para o futebol ou para comentar detalhes sórdidos. Eu não tinha o que acrescentar ao assunto. Demandava um tremendo esforço para não ser localizado como marica. O segundo grau seguiu a mesma sina. Amigos chegavam a ficar debaixo da cama enquanto casal de colegas transava. Claro, com o consentimento do cara, que enrolava a menina no discurso para não identificar os penetras. Logo a menina era classificada como piranha e o comedor, herói. Com pastelina e coca-cola, narrava o que ela aprontou ou deixou de aprontar. 


Os homens aceitaram sua burrice. Reforçam seus preconceitos e fobias porque é complicado alterar a virilidade adquirida pela insistência vocabular. 


A noção de que todo gay é promíscuo provém de uma teoria machista, porque os homens temem no raso e no fundo os próprios gays que são. Os gays não pensam sempre em sexo (os homens pensam muito mais). Ao pensar somente em sexo, empobrecemos o sexo. O gay tem a liberdade de dizer o que sente, o homem é obrigado a sentir o que dizem e esperam dele. 


Além disso, os gays são mais fiéis do que os próprios homens. Quantos casais gays demonstram uma lealdade que não se encontra num par heterossexual? Lembrei de cinco casais amigos antes de completar a frase. 


Aviso: esse é o nervo. A inteligência gay deixa espaço e disponibilidade para exercitar seus gostos. Por isso, os gays são melhores amigos das mulheres, tem um temperamento mais refinado, um humor mais espirituoso, um desembaraço invejável para dançar, chorar e se alegrar. 


Gay não precisa demonstrar que é gay. Mulher não precisa demonstrar que é mulher. 


O homem é treinado a pensar em sexo ou a pensar que é homem. Não sobra tempo para amadurecer. Ele terá que decidir entre se exaurir e se renovar. 


Minha alma não é feminina, desculpe a decepção. Como se a sensibilidade unicamente fosse elogiosa sendo feminina. Se a sensibilidade é feminina é mais. Se a sensibilidade é masculina é menos. 


Homem sofre, homem geme, homem erra, homem ama escandalosamente. 


Minha alma é masculina, o que me faz sensível para não provar mais nada. 

domingo, 6 de maio de 2012

Me liga, qualquer coisa


(...)

Seu olhar – vitrine dos meus melhores dias. Fica, eu digo. Me ajuda a matar o tempo até a luz voltar. Fica e come da minha comida. Pelo menos até a chuva acabar de cair. Deu agora na televisão que a cidade está debaixo d’água, mandaram ninguém se mexer. Consegue? Tenta, vai. Empresto uma toalha, uma camiseta G, um par de meias e a minha boca quente. Você já bateu recorde de permanência, de toda maneira. Vamos lá, fica, na minha geladeira tem o resto de um frango de padaria, a gente abre um vinho bom. Juro fazer rolinhos na sua franja até você pegar no sono.

Aí você gasta um de seus preciosos sins e deixa pra depois mais um daqueles seus adeus, que, aliás, tem de sobra na sua bolsa de pano, sempre à mão, para casos de emergência. E eu me pergunto: você vai ficar porque está chovendo, ou está chovendo porque você vai ficar? Tanto faz. Se eu bem te conheço, basta me despedir usando a tática do me-liga-qualquer-coisa. Foi assim, desse jeito, que até hoje nenhum dos seus adeus durou para sempre.

Status de relacionamento: Perdendo tempo.