Fui comprar água numa tenda em Areia Branca, no Rio Grande do Norte. Praia quase deserta se não fossem os cachorros confundindo conchas com ossos. Todo camelo veio de um cão desesperado.
Três amigos tomavam cerveja e gravavam depoimento num celular. Um deles, de boné vermelho, já tinha errado duas gravações.
Deveria ser um recado para uma ex-namorada prestes a se casar.
Resmungava: "Como vou desejar que ela seja feliz? Como?"
Com facilidade de prosa, os dois escudeiros apresentavam opções de discurso. Gesticulavam, entusiasmavam que seria rápido, empurravam seus ombros como jangadas. Que ele falasse o que sentia.
- O que sinto? Não sei o que sinto, estou pensando agora no que sinto e não estou gostando nem um pouco.
"Estela eu queria que você encontrasse no amor o que não encontrei..."
E parou de novo, engasgou, botou a mão na frente da câmera.
- Não dá para usar o primeiro?
- Não, você nem completou uma frase.
- Ai Meu Deus.
- Qual é o problema?
- Quando é palavra filmada eu penso na vírgula, onde colocar a vírgula. Não consigo colocar a vírgula.
Ele se mortificava pela demora, pelo excesso que é o mesmo que uma ausência.
- Ai me achega uma preguiça do que não vivi.
Naquela hora, as pontas do oceano não se soltaram mais. Alcancei o que queria e o que não queria confessar. Somos preguiçosos no elogio e criativo para as críticas.
Para destruir, montamos e desmontamos o dicionário com afinco, puxamos as piores fragilidades para sangrar. Criamos até neologismos. No momento da briga, ninguém segura o verbo. Não há raivoso burro. Não há raivoso com língua presa. Não há raivoso gago. Um Padre Antonio Vieira acorda na acusação apontando os dedos ao destino.
No momento da paz, o verbo é travado. Parece que não precisamos fazer mais nada, a não ser recorrer às exclamações. Observamos nossa namorada e nos tranquilizamos com "bonita", "linda", "maravilhosa", "incrível", "fabulosa". Ela vai se tornando igual às outras. Não criamos gentilezas novas, não nos esforçamos para a homenagem. Não duvidamos do que sopramos para fora.
Se ela derruba os livros no chão, apontaremos que ela é atrapalhada. Por que não dizer que ela transborda?
Se ela esquece onde colocou a chave, lembraremos que nunca presta atenção. Por que não dizer que você é um portão da infância; é simples empurrar?
Se ela acorda ranzinza, não condene. Por que não dizer que a ironia é a noite do humor?
Por quê?
Para quando ela estiver casando com outro, não lembrar mais da vírgula. A vírgula errada, que separou o sujeito do predicado.
Três amigos tomavam cerveja e gravavam depoimento num celular. Um deles, de boné vermelho, já tinha errado duas gravações.
Deveria ser um recado para uma ex-namorada prestes a se casar.
Resmungava: "Como vou desejar que ela seja feliz? Como?"
Com facilidade de prosa, os dois escudeiros apresentavam opções de discurso. Gesticulavam, entusiasmavam que seria rápido, empurravam seus ombros como jangadas. Que ele falasse o que sentia.
- O que sinto? Não sei o que sinto, estou pensando agora no que sinto e não estou gostando nem um pouco.
"Estela eu queria que você encontrasse no amor o que não encontrei..."
E parou de novo, engasgou, botou a mão na frente da câmera.
- Não dá para usar o primeiro?
- Não, você nem completou uma frase.
- Ai Meu Deus.
- Qual é o problema?
- Quando é palavra filmada eu penso na vírgula, onde colocar a vírgula. Não consigo colocar a vírgula.
Ele se mortificava pela demora, pelo excesso que é o mesmo que uma ausência.
- Ai me achega uma preguiça do que não vivi.
Naquela hora, as pontas do oceano não se soltaram mais. Alcancei o que queria e o que não queria confessar. Somos preguiçosos no elogio e criativo para as críticas.
Para destruir, montamos e desmontamos o dicionário com afinco, puxamos as piores fragilidades para sangrar. Criamos até neologismos. No momento da briga, ninguém segura o verbo. Não há raivoso burro. Não há raivoso com língua presa. Não há raivoso gago. Um Padre Antonio Vieira acorda na acusação apontando os dedos ao destino.
No momento da paz, o verbo é travado. Parece que não precisamos fazer mais nada, a não ser recorrer às exclamações. Observamos nossa namorada e nos tranquilizamos com "bonita", "linda", "maravilhosa", "incrível", "fabulosa". Ela vai se tornando igual às outras. Não criamos gentilezas novas, não nos esforçamos para a homenagem. Não duvidamos do que sopramos para fora.
Se ela derruba os livros no chão, apontaremos que ela é atrapalhada. Por que não dizer que ela transborda?
Se ela esquece onde colocou a chave, lembraremos que nunca presta atenção. Por que não dizer que você é um portão da infância; é simples empurrar?
Se ela acorda ranzinza, não condene. Por que não dizer que a ironia é a noite do humor?
Por quê?
Para quando ela estiver casando com outro, não lembrar mais da vírgula. A vírgula errada, que separou o sujeito do predicado.
Sabias palavras...
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