sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Reconciliação

Minha boca já perdeu o fôlego de contar quantas vezes te mandou embora. Setecentas vezes e mais essa. Minha capacidade de me enxergar em dois lugares ao mesmo tempo me rendeu uma espécie de estrabismo sentimental. Meu coração, minha cabeça, meus braços andam cansados de querer coisas. Não é desejar coisas que me comove, mas não saber do que será. Querer, um dia a gente consegue. Não saber é entregar a emoção à primeira tormenta. Não saber um futuro, não saber um nome, não saber uma esquina, não saber um perfume, não saber um fim.

E se eu girar a maçaneta pelo lado de dentro? Vamos fazer as pazes e esse é o problema. Não quero paz, não quero sossego, quero tumulto, quero estrago. Mas e aí? - Você pergunta. Eu não sei o que pode ser feito e cruzo uma mão na outra. Você bufa. Pousa a mão sobre as minhas. E chega mais. Eu digo apenas que chega. Você acha que pode me penetrar como antes, pela boca, então me beija. Meus lábios seguem irredutíveis, não se moldam, não me abro. Fico plantada feito uma pétala no inverno.

Desce a alça pelo meu ombro esquerdo esperando que eu faça o mesmo com o direito, descendo a blusa pela cintura, solenemente, naquele velho movimento que você sempre gostou. Não me mexo. Não me deixo. Não me dou. Você insiste tentando invadir com a língua meus dentes cerrados. Sua mão toca meus seios pequenos. Nada me comove, mas eu também já não me defendo. Não deu pra entender? Não quero mais responsabilidades. Por isso minha alma fica inerte, assistindo tudo que o corpo vai dizer.

Eu não choro, mas fico úmida. Minha vontade aumenta com proporção inversa a meu contragosto. Se nossa reconciliação fosse lugar comum, se eu tivesse dito em voz alta querer tentar outra vez, se eu consentisse sua mão e dissesse que ainda há amor em mim, jamais teria sentido essa excitação parecida com a primeira vez. Quero de volta todas as primeiras vezes de tudo, por isso proponho esse jogo entre alma e corpo. A alma entende a fraqueza do corpo. O corpo entra em seu estado de banalidade, obedecendo meu afã de ser interrompida. Eu uso você para trair a mim mesma.

Você procura minha íris enquanto desliza a calcinha como fosse o último espetáculo da terra, como um olhar vencedor contrastando com seu hálito habitual de perda. Sinto falta de um olhar vencedor. Então me vira forte de bruços, ignora minhas estrias e passa a língua entre as coxas, falando bobagem. Tá escuro. Sou eu correndo num deserto, sem bússola ou direção qualquer. Eu não sei como será. O desconhecido, de novo. O som que me estimula vem da arquibancada - tsc, tsc, tsc. A alma vê o corpo nu e enfeitiçado e não quer acreditar, regurgita algumas gotas de acidez, mascando uma raiva perturbadora, sentada numa plateia de reprimendas. O corpo é finalmente meu.

Ainda no total escuro, ainda sinto o perfume que você nunca ousa mudar, os trejeitos de sempre, as juras antigas, as palavras antiquadas, as implicâncias batidas, as cartas marcadas. Eu sei que é você e eu sei quem você é. Precisa reagir, rapaz. Longe da minha imaginação você ainda é bem mais ou menos. Isso tudo me entristece tanto porque eu mudo de acordo com as estações de rádio. Eu choro de um jeito novo, lacrimejo em forma de saliva e cuspo na sua cara, nos seus movimentos nojentos pedindo pra ficar.

Você pressiona forte meus pulsos, tumultua meu corpo, estraga meus planos de ida e diz que meu cansaço precisa de cama. É mentira, eu cuspo outra vez. Então você reage e bate na minha cara, mostrando com ódio que ainda pode muito bem ser o homem da minha vida, pelo menos até o fim do verão.

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