quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Por ai...


SEMPRE ACHEI QUE FINS DEVERIAM SER RELATADOS


Sempre acreditei que finais deveriam ser relatados. Uma carta, uma conversa, um momento a dois. Um ponto final no texto. A partir dele, a história seria passado e o futuro, que um dia foi esperado, ficaria no vão.
Um dia achei que a sinceridade daquele momento seria o melhor caminho para um futuro menos frustrado. Errei. Histórias acabam no telefonema não dado, em uma noite em que os olhos não se encontram ou as mãos não se apertam com vontade.
O fim chega desacompanhado. O filme acaba, as luzes se acendem e os funcionários da limpeza entram na sala. Não resta nada a fazer senão aceitar que terminou. Sempre acreditei que finais deveriam ser relatos.

terça-feira, 27 de novembro de 2012

14 LIVROS


14 LIVROS


Fiquei arrepiado ao ver a lista de itens pessoais do deputado federal paulista Rubens Paiva, preso pelo regime militar em 20 de janeiro de 1971.
Quando ele entrou nos porões da ditadura para ser interrogado, entre seus itens pessoais, além de relógio, lenço e cartão de banco, havia 14 livros de diversos autores.
Ele tinha a consciência de que iria morrer, mas levou 14 livros para ler.
Ele tinha a consciência de que nunca mais poderia olhar a luz do sol, mas levou 14 livros para ler.
Ele tinha a consciência de que seria torturado pelos agentes da repressão, mas levou 14 livros para ler.
Ele tinha a esperança de ainda ler 14 livros, apesar da sua morte iminente pelo DOI_CODI, apesar do seu desaparecimento certo dali para diante.
A esperança nada tem a ver com as circunstâncias. A esperança desafia as circunstâncias. A esperança é o nosso caráter.
Ele queria continuar aprendendo. E levou seus livros. Foi simples, foi verdadeiro. Com tempo ou sem tempo. Ele queria ler até o último de seus suspiros. 
 
 
O que Rubens Paiva nos ensina?
Mesmo que tenhamos um só dia de vida, podemos amadurecer. Podemos melhorar. Podemos ampliar nosso conhecimento. Podemos nos superar.
Mesmo que tenhamos um só dia de existência, podemos plantar uma macieira, podemos amar melhor nossa mulher, podemos cuidar com capricho dos nossos filhos, podemos nos reconciliar com os pais.
Um dia é muito.
Um dia é nossa vontade de entender o mundo.
Um dia é nossa vontade de ser feliz.
Um dia são 14 livros.

F. Carpinejar

terça-feira, 6 de novembro de 2012

Aconteceu


O luto é que define seu fim, não a gente. Uma hora acaba, quando você nem imagina. 
Enquanto a dor assobia, procuramos a letra. Procuramos honestamente musicar os nervos.
Tenho dormido por dois corpos, tenho me alimentado por um passarinho.
Não há vergonha de sofrer. Combato a intolerância do entusiasmo. Permita-me ser triste quando triste. Ser musgo quando excesso marinho.
Nem sempre posso rarear o ar como pólen.
Se aquele que está mal, abalado, está incomodando os outros, pretendo incomodar os outros. Pretendo me incomodar.
Farei com gosto. Farei com requinte. Farei com capricho.
Vou escolher o melhor envelope para minha carta, a melhor roupa para deitar.
Adoecer por paixão não é um vexame.
Gafe é fingir que nada aconteceu. Tragédia é romper uma história como se fosse apenas mais um emprego.
Loucura é seguir adiante, sem um mínimo de nostalgia, sem o receio de estar vivendo errado.
Não valorizar a perda é não valorizar o amor.
Eu só tenho um único assunto nos últimos dias. Um único nome.
Sou o mais chato dentre todos os teimosos.
Sou o mais obsessivo dentre todos os neuróticos.
Sou um neologismo de mim, ainda sem sinônimo.

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

O fim (do que não tinha fim)


(01)

Por bem, decidiram então pelo fim. Depois de ininterruptos cinco anos. O primeiro foi de tremedeira nas pernas. No segundo, atingiram o nirvana sexual. Com o terceiro veio junto o apartamento. No quarto, desejo mútuo por terceiros. Finalmente, o quinto mostrou que haviam se tornado dois. Definitivamente, duas novas perspectivas de vida.
Ela não pediu que ele ficasse. Ele chorou porque sempre foi o pilar sentimental do casal, e só por isso. Ela ficou com o apartamento. Ele com o labrador, com nome de ex-craque do Internacional. A última coisa que ele fez foi catar seus discos da Legião Urbana. Ela deu uma última olhada em volta. Ele entregou a chave. Ela deixou escapar que nunca vai esquecê-lo, de alguma forma. Ambos relembraram o plano de provar pra todo mundo que dava para coabitar romanticamente. A porta se fechou dando fim ao que não tinha fim.
Ela decidiu rever tudo. Jurou que seria eternamente fiel à liberdade. Agora, madruga suas noites em discotecas, na companhia de estranhos e envolta em novos braços peludos. Aos sábados, dorme até meio dia para esquecer a antiga rotina de acordar cedo, fazer jogging no Parcão e almoçar os bifes maravilhosos da mãe dele. Não assiste mais novela, passou a usar mais vestido, começou a ouvir Bossa Nova e cogita tatuar o pé.
Ele planejou uma revolução. Decidiu conhecer alguém novo, ligou para uma garota de programa. Hoje, não fica um dia sem compartilhar o violão com velhos amigos no Bar dos Podres. Invariavelmente, passa os domingos de chuva na cama, na companhia do Falcão, uma garrafa de Merlot e A Montanha Mágica, de Thomas Mann. Perdeu seis quilos no último mês, deixa roupas penduradas, trocou de emprego e cogita passar o feriadão em Ilha Bela. E suas vidas continuam, sob nova direção.

(02)

Outro mês se foi, e eles não tem notícias e nem previsão de reprise. Ele é grato a si mesmo pela implosão das grades. Ela sente um mundo de possibilidades inflando ao seu redor. Ele pede aos amigos que digam a ela que até está bem, levando, obrigado. Ela não oculta uma certa tristeza no olhar na frente deles. Ele espera que ela esteja feliz e bem acompanhada, com alguém decente, que tenha ao menos o carinho que ela merece. Ela torce secretamente para que tão cedo ele não encontre uma garota “melhor”.
Querendo ou não, ele pensa nela de quando em quando. Toda noite, se aproxima do velho apartamento com o labrador Falcão, e questiona as luzes apagadas já na tarde-noite. Fica imaginando se aquela dor crônica no pescoço curou, se tem comido beterraba e controlado direitinho a tireoide, conforme prometeu que faria. Agora, desconfia que as novas garotas da sua vida serão meros passatempos. Sente falta de ouvir aquela voz meio gasguita. Chega a pegar o telefone.Não telefona.
Bem ou mal, ela sente sua ausência. Toda noite, evita estar em casa lembrando que o espaço do apartamento triplicou por um milhão. Sente falta de camisetas espalhadas aleatoriamente. Fica lembrando ele cozinhando espaguete al pesto, ou quando ele sentava na janela dedilhando “Tears In Heaven”, ou assistia o colorado comportadinho, roendo as unhas sem parar, os pés no sofá. Hoje, coleciona casos com cafajestes fajutos. Sente falta dos sermões que levava por andar descalça no chão frio. Verifica o funcionamento do telefone: tu-tu-tu.
Presos pela liberdade, prosseguem cada um na sua, conectados por um fio invisível que não conduz mais eletricidade. Um fio de saudade dissonante e a certeza de que, amor como aquele deles, não acontece no tocar de uma varinha de condão.

(03)

Resistiram sóbrios e sozinhos toda data comemorativa que pudesse aflorar qualquer restinho de contrição pela separação. Natal, réveillon, Valentine’s nos States, dia nacional dos namorados, sei lá, Halloween também – podia ser uma data sem nada a comemorar. Aliás, não perdiam uma festa a caráter naqueles Halloweens idiotas. Ela sentia vergonha vestindo diabinha, ele debochava dizendo que combinava, até.
A ausência um do outro já não incomodava como água oxigenada no joelho de feridas abertas. Embora os dois soubessem que o buraco estava lá, num cantinho vazio do coração e no confiscado dilatar de pupilas de cada um. Mesmo após treze meses.
Ainda assim, ela guinou 150 graus na profissão. Formou-se nutricionista e abriu seu consultório com a ajuda do pai. Ele, que ia improvisar uma banda para tocar na festa, nem compareceu à colação de grau. Ele terminou seu processo de reconstrução da autoestima indo até São Paulo assistir ao Radiohead. Ela ficou sabendo. Ambos mudaram e fizeram coisas que nunca imaginaram que fariam – coisas de solteiro, até porque nunca se imaginaram solteiros. Porém, as raras notícias já nem doíam tanto.

(04)

Hoje, ele resolveu iniciar processo seletivo para um novo relacionamento. Sexta-feira sim, e outra também, prepara jantares informais com meninas aspirantes a namorada. Belas garotas em versões loira, morena, castanho-claro, e até de cabelo pintado numa cor que ele se esforça para discernir. Muito embora com personalidades pouco aprazíveis ou simplesmente inconciliáveis. Não consegue descobrir a tal coisa que o desagrada. Ela vem à memória.
Agora, ela sente vontade de encerrar o balancete afetivo interno. Não sabe exato por onde começar, decerto a ânsia de inaugurar algo novo na direção do amor. Começa abrindo uma geladeira semi-abundante e termina logo ali, folheando páginas de um jornal de ontem. Questiona se não percebe os sinais ou se sua luz anda refletindo sombras demais. Aberta a sugestões, recusa o convite de um homem aparentemente mais maduro e educado do que seu ex. Ele ainda é parâmetro.
Separados, cada um em sua casa, simultaneamente os dois compartilham a impressão de não ver tão cedo uma placa informando para que lado se encontra um recomeço afetivo. Enquanto isso, o mundo não para de girar, sem gosto de morango mordido.

(05)

A gente nota que respirar vale a pena quando surpresas que estavam à espreita se revelam em esquinas, ou acontecimentos responsáveis por uma breve disritmia cardíaca saltam aos olhos como o farol de um pesqueiro na escuridão do mar.
Dois anos desde o traumático término, toda rima romântica, até as mais clichês, voltam a fazer sentido. Contrastando com as mais inferiores minúcias de um velho amor que há pouco andava em círculos, e que agora percorre uma longa estrada em linha reta – dessas que transformam todo velho amor em recordações de sorriso breve e silencioso.
Ela passou quatro meses tentando escapar do rapaz que agora chama carinhosamente de “môr”. Um cara mais jovem, que luta pela lei. Compensa sua pouca habilidade em manusear sentimentos com um espírito engraçado e positivista.Não consegue mirar nada além de uma taça meio cheia. Ela sente-se feliz e incompleta como toda mulher beirando os trinta. Seus lábios voltaram a se abrir involutariamente. Mas não pensa em dividir tarefas domésticas novamente. Espelha-se em Rita Lee e Roberto de Carvalho.
Ele se pegou matutando uma frase do Huxley dias atrás. Algo afirmando valer a pena enfrentar a tristeza para reconhecer a felicidade. Aplicou a teoria em sua nova gatinha que, diga-se, ainda não consegue chamar de “amor” ou coisa assim. Quando muito uma paixão. Arrebatadora, claro. Gamou nessa garota por acidente, como ele mesmo diz, em tom gracejador. Está pensando em casamento, mas acha que não devia. Se deita todas as noites com as mãos na nuca, com a intuição de estar bebendo o vinho da sua juventude. Seu braço arrepia toda vez que pensa na química sexual com a nova parceira.

(06)

Preciso contar a vocês que se viram, jantando em uma sexta-feira de céu estrelado na churrascaria Barranco. Ele e a namorada, ela e o namorado dela. Ambos chegaram a 200 mil batimentos por minuto ao trançar os olhos teimosos em olhar, mas nenhum dos dois lamentou, de alguma forma, estar sentado na mesa errada.
Ela ainda lembra dele quando alguém chupa seu dedão do pé. Ele se recorda dela toda vez que beberica um drinque com abacaxi e leite condensado. Os dois sabem que é perda de tempo tentar esquecer. Que sentir saudade nãosignifica que melhoraram como pessoa, que agora magistralmente seus temperamentos são compatíveis e o correto seria viver aquilo tudo de novo, do êxtase à dor.
Significa apenas que foi bom, que foi inesquecível. E que qualquer amor que força as cordas vocais a produzirem um eu te amo não tem fim, mesmo acabando sempre do mesmo jeito, dividido por dois.

Texto revisitado. Publicado originalmente em partes, em maio de 2009.

domingo, 4 de novembro de 2012

Por ai;;;


Sei pouco da vida.
Veja, estou aqui há tão pouco tempo!
Sei pouco, talvez quase nada.
Mas da vida, o pouco que sei dói.
É que a vida não espera, ela acontece.
Não espera que a lágrima seque, que o coração respire,
que segundas chances aconteçam.
A gente perde um trem aqui e ali
e acorda de repente com um nó no peito – sabe-se lá de onde vem esta porcaria de nó.
E arde. E passa. E sara. E começa de novo.
O que sei da vida: é que ela não atrasa, não espera amadurecer.
Simplesmente floresce.