(02)
Outro mês se foi, e eles não tem notícias e nem previsão de reprise. Ele é grato a si mesmo pela implosão das grades. Ela sente um mundo de possibilidades inflando ao seu redor. Ele pede aos amigos que digam a ela que até está bem, levando, obrigado. Ela não oculta uma certa tristeza no olhar na frente deles. Ele espera que ela esteja feliz e bem acompanhada, com alguém decente, que tenha ao menos o carinho que ela merece. Ela torce secretamente para que tão cedo ele não encontre uma garota “melhor”.
Querendo ou não, ele pensa nela de quando em quando. Toda noite, se aproxima do velho apartamento com o labrador Falcão, e questiona as luzes apagadas já na tarde-noite. Fica imaginando se aquela dor crônica no pescoço curou, se tem comido beterraba e controlado direitinho a tireoide, conforme prometeu que faria. Agora, desconfia que as novas garotas da sua vida serão meros passatempos. Sente falta de ouvir aquela voz meio gasguita. Chega a pegar o telefone. Não telefona.
Bem ou mal, ela sente sua ausência. Toda noite, evita estar em casa lembrando que o espaço do apartamento triplicou por um milhão. Sente falta de camisetas espalhadas aleatoriamente. Fica lembrando ele cozinhando espaguete al pesto, ou quando ele sentava na janela dedilhando “Tears In Heaven”, ou assistia o colorado comportadinho, roendo as unhas sem parar, os pés no sofá. Hoje, coleciona casos com cafajestes fajutos. Sente falta dos sermões que levava por andar descalça no chão frio. Verifica o funcionamento do telefone: tu-tu-tu.
Presos pela liberdade, prosseguem cada um na sua, conectados por um fio invisível que não conduz mais eletricidade. Um fio de saudade dissonante e a certeza de que, amor como aquele deles, não acontece no tocar de uma varinha de condão.
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